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Comportamento - Criação Neurocompatível

Criação Neurocompatível

Movimento de ativismo em prol de uma Educação Respeitosa e Positiva

 

A filosofia da Criação Neurocompatível, idealizada pela psicóloga, especialista em Psicoterapia Comportamental e Cognitiva Dra. Márcia Tosin, CRP 08/10916, representa uma abordagem revolucionária na educação de crianças e adolescentes. Em certa entrevista esclarecedora com a Dra. Márcia, fomos convidados a explorar os princípios fundamentais dessa abordagem e a compreender como esta pode transformar a dinâmica entre pais, educadores e filhos. Leia a entrevista completa no site da revista Hadar.

“Criação Neurocompatível é um movimento de ativismo pelo desenvolvimento infantil que reúne pais, mães e profissionais interessados nas condições ideais pelas quais os cérebros humanos desenvolvem-se e funcionam. É fundamentada pelas ciências da Psicologia Evolutiva, Antropologia e Neurobiologia. O movimento surgiu da necessidade de desenvolver um ambiente de desenvolvimento mais saudável para crianças, na esfera educacional”. Seus princípios fundamentais são:

• O respeito à dignidade humana;

• A rejeição de práticas punitivas e submissivas;

• A confiança nos processos naturais de desenvolvimento;

• A percepção de que regras e limites são internalizados conforme a cultura, não são impostos por educadores;

• A centralização da educação nas necessidades da criança, que é o indivíduo mais vulnerável em qualquer comunidade humana;

• Uma abordagem de educação em rede, destituída de hierarquias e onde todos – adultos e crianças – são igualmente valorizados, sem a presença de dinâmicas de poder ou também etária;

• O acompanhamento do ritmo natural nas etapas de desenvolvimento pelos pais e profissionais, como marcos assim tais como a marcha, desfralde, desmame, aprendizado de leitura e escrita, fundamentado na ideia de que o amor é gerado a partir do amor, tendo a saúde mental como foco. Isso se harmoniza com as normas biológicas, inerentes à nossa espécie.

De acordo com a Neurobiologia, a criança aprende de maneira mais eficaz quando seu ambiente carece de pressões e padrões sociais opressivos. Um ambiente de baixo nível de estresse é crucial para garantir o crescimento saudável. Além disso, a Antropologia demonstra que, contrariamente à crença comum, nossos ancestrais mantinham um contato físico bastante próximo com seus filhos e viviam em comunidades cooperativas. Essa base biológica e antropológica recorda-nos que abordagens educacionais devem estar em consonância com os padrões biológicos que os regem.

O primeiro passo na implementação dessa filosofia na rotina diária é adotar uma mentalidade que rejeita a ideia de que as crianças agem de maneira maliciosa. Em vez disso, os pais e educadores são encorajados a aproximar-se das atividades cotidianas das crianças com compaixão e respeito. Isso não altera as rotinas diárias em si, como acordar, tomar banho ou ir à escola, mas modifica a maneira como os adultos respondem às necessidades e emoções das crianças.

Embora a abordagem Neurocompatível possa parecer radical em relação às abordagens tradicionais, a Dra. Tosin oferece insights convincentes para desafiar argumentos contrários. Ela destaca que as crianças aprendem as regras sociais naturalmente, através da observação e da convivência em comunidade. A abordagem também desmistifica a ideia de que limites estritos são essenciais, promovendo um ambiente seguro e cooperativo onde as crianças podem crescer e desenvolver-se naturalmente.

Alguns dos principais argumentos que vão na contra-mão da abordagem Neurocompatível e como defendê-los através de exemplos reais:

1. “Criança precisa de limites.”

A criança é capaz de aprender as regras sociais observando e vivendo em comunidade.

2. “Há pais que deixam as crianças fazerem tudo o que querem.”

Há pais que compreendem que sua função é manter seus filhos em segurança, respeitando e mantendo expectativas reais sobre seu estágio real de desenvolvimento.

3. “As crianças de antigamente eram mais educadas.”

As crianças sempre tiveram os mesmos comportamentos, em diferentes períodos históricos. A diferença é que hoje não se espera a criança crescer para reconhecer sua dignidade.

4. “Pais super-protetores impedem o crescimento de seus filhos.”

A criança é vulnerável e sensível, necessitando de forte proteção e cuidado. Um ambiente protegido e seguro é o berço para a autonomia.

5. “A criança precisa de autoridade.”

A criança precisa de um ambiente cooperativo e democrático, percebendo que ela tem a mesma importância que os outros familiares, apenas se encontrando em fase de desenvolvimento diferente.

6. "Se não tiverem uma punição, aprendem que, no futuro, mediante um erro, sairão impunes.”

Ética concebe “aquilo que pertence ao caráter”. O que está dentro do indivíduo é que dirige as suas escolhas, e não o controle externo. Afinal, se estiver longe de sua fonte de punição, não se comportará conforme a dinâmica da civilização. Ética é fazer o certo mesmo quando ninguém está olhando.

7. “Se não aprenderem a independência desde cedo, serão, para sempre, dependentes.”

Quanto mais dependente, na infância, mais independente na vida adulta. O apego seguro é a condição da independência. Além disso, somos seres sociais, ninguém vive sozinho. Ser carente é uma condição humana, não uma falha.

8. “Essas novas formas de educar criam filhos que mandam nos pais.”

As crianças possuem vontade forte, pensamento egocêntrico e imaturidade neurológica para se prepararem para o mundo que os espera. Um ambiente amoroso programa condições de auto-controle; um ambiente hostil prepara-as para um domínio adverso.

9. “Apanhar dos pais para não apanhar da polícia.”

Adolescentes com comportamento infrator são, em sua esmagadora maioria, oriundos de famílias desassistidas e que estão à margem da sociedade. Uma criança com uma infância cheia de adversidades tem 12 vezes mais chance de envolvimento em comportamentos de transgressão.

10. "Apanhei na infância e sou uma pessoa de bem".

Apesar de ter apanhado na infância, você é uma pessoa de bem. Foram outras condutas que você conheceu que construíram seu caráter, jamais a violência!

A Dra. Márcia Tosin - CRP 08/10916, idealizadora do movimento Criação Compatível, sobre alguns questionamentos para compreendermos o que essa filosofia nos propõe, enquanto pais e educadores.

• Como pais podem aplicar uma educação Neurocompatível na rotina diária, com base nos princípios norteadores?

Na rotina diária, os pais devem adicionar um mantra mental que a criança não age da maneira que faz, porque é maquiavélica. A criação NC propõe nova visão em relação ao desenvolvimento infantil, que é contrária à visão tradicional de que a criança está o tempo todo testando os pais e que, para isso, é preciso ser firme. Veja que isso não mudará as rotinas diárias de uma criança, como acordar, tomar banho, escovar os dentes ou ir para a escola. Todas essas atitudes continuam acontecendo, como em qualquer outra família. O que muda é que os pais agirão de forma compassiva e respeitosa no acompanhamento dessas atividades. Então, se uma criança chora quando é chamada para o banho, os pais entendem que "ir para o banho" está condicionado a algo aversivo para ela, ou porque quer continuar brincando ou porque não gosta do banho. Quando você compreende o desenvolvimento infantil, entende que a criança comunica-se através da brincadeira; então, os pais falarão "vamos dar banho na boneca?" ou "eu descobri uma forma bem legal de fazer bolhas de sabão, que são estouradas no chuveiro!". Os pais usam as emoções positivas no lugar de mandar ou coagir. Os pais usam também a previsibilidade, porque as crianças gostam de sequências rotineiras.

• O que, de fato, é essencial para transformar o comportamento dos pais com relação aos filhos?

Conscientização. A partir do momento em que os pais entendem e desistem das lutas de poder com a criança, as coisas fluem, as mudanças acontecem. Os pais vivem sempre na mira de que, se não deram limite para as crianças desde cedo, sua adolescência está perdida. Porém, não existem evidências disso. Essa é uma premissa cultural repetida até por muitos profissionais do desenvolvimento infantil. Repetimos, porque aprendemos assim. Uma reflexão sobre uma educação compatível com uma fase especifica do desenvolvimento provoca mudanças. Por exemplo: as crianças demoram mais para desenvolver as emoções de culpa e de auto responsabilização. Isso não significa que os pais não vão agir conforme as normativas sociais da cultura em que estão inseridos, mas que não precisam humilhar a criança que traz para a casa um lápis que não é seu. Eles podem fazê-la devolver o lápis, mostrar que sentimos vontade de ter as coisas, mas não podemos pegá-las dos outros, mas sem envergonhá-la, como é feito na educação tradicional. A criança leva o lápis do amigo para a casa, porque possui um cérebro com certa maturidade de justiça ainda "arcaica". O mais importante é entender que os pais NC não deixam de ensinar normativas sociais, mas que o fazem com respeito e educação. As crianças imitam esse modelo e percebem que essa é a melhor forma de agir.

• Qual o maior desafio desse processo?

O maior desafio é que uma criação NC exige dos pais bastante criatividade e organização. Isso porque, quando você não usa a autoridade para exercer controle sobre a criança, você precisará de rotinas estruturadas, que é a forma como o cérebro humano constrói rotinas.

• Imaginamos que o princípio norteador que defende: “a educação precisa ser em rede, e não hierárquica” é polêmico, pois aprendemos, desde sempre, inclusive na formação educacional, que crianças precisam entender limites. Como aplicar a criação Neurocompatível com crianças que são extremamente desafiadoras de modo a estimulá-las a respeitar?

Educação em rede significa que todos são igualmente importantes. O que não significa que estejam em igualdade de desenvolvimento ou de visão de mundo. As crianças precisam de cuidado e monitoramento, porque não estão prontas para ter um cartão de crédito ou para andar na rua sozinhas. As crianças mais desafiantes, chamadas de "crianças difíceis", precisam de um modelo respeitoso e compassivo para serem respeitadas e o uso de rotinas que impedem a briga pelo poder. Imposição faz com que essas crianças tornem-se mais impositivas ainda. É um ciclo sem fim de lutas de poder.

• O que é uma educação escolar Neurocompatível. Como aplicar a teoria em sala de aula?

Neurocompatível é uma abordagem filosófica, o que a torna possível de ser aplicada em qualquer ambiente habitado por pessoas. Olhar a criança sem vê-la como má e que o tempo todo está tentando enfrentar os professores faz com que os educadores tenham condutas que se aproximem da criança. As pessoas não sabem, mas o que faz a criança aprender com um adulto é o vínculo. Pesquisas já demonstraram que, quando a criança aprende brincando, precisa de mais repetições. A escola aberta à brincadeira, à autonomia e ao uso de estratégias de regulação emocional trazem benefícios diretos para a criança. Atualmente, existem escolas Neurocompatíveis espalhadas pelo no país e vêm cada vez mais ganhando adeptos.

• O que é uma educação ideal? É possível ou seria utopia?

Educação ideal é a que mantem a dignidade da criança preservada, nunca faz uso de violência como o uso de tapas ou castigos. Educação ideal é a que se adapta ao perfil da criança, e não o contrário.

• Adolescentes desafiadores? É possível mudar o comportamento?

Eu penso que é possível mudar o comportamento dos cuidadores para diminuir as guerras de poder. Um modelo educacional democrático, como pais que sentam com os filhos e estabelecem contratos e combinações bons para todos pode diminuir as crises familiares. Os pais já tiveram a idade dos filhos, mas o contrário não é verdadeiro. É preciso entender por que acontecem os desafios e saber que, quanto mais se tenta o controle, mais os adolescentes (e crianças) desafiarão. Uma criação amorosa e respeitosa é protetiva, para essa fase da vida.

 

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